Carta ao Crato (260)


Meu caro Nuno Crato.

A forma como ouso tratar-te não é desrespeitosa, acredita. É para que melhor nos entendamos naquilo que te pretendo dizer. Sendo tu e eu ambos professores, teremos, certamente, muito em comum relativamente à profissão que exercemos; e é por isso que a ti me dirijo desta forma, colocando-te olhos nos olhos, à mercê do que te vou dizer, à altura exacta a que deveriam estar todos os professores deste país. Olhos nos olhos Nuno, nós nos teus e tu nos nossos.

Quero dizer-te que nunca vi no meu local de trabalho tão vivo sentimento de solidariedade entre os meus colegas professores. Como bem sabes, quando cheira a esturro, a classe docente tem por hábito unir-se. Mas, desta vez, estamos para além do espírito corporativo, ou da cega sensação de pertença a um grupo profissional. A experiência rara que vivemos tem uma razão. E eu vou-te dizer qual é: estamos unidos defendendo os nossos postos de trabalho. De facto, acredita que, a nossa luta, se resume simplesmente à defesa do direito ao trabalho.

Quero que saibas que não odiamos e que não queremos prejudicar nem alunos, nem o sistema de ensino, nem, tão pouco, o governo na pessoa deste ou daquele governante, ainda que tenhamos duras criticas a fazer-vos sobre a forma como tendes governado. Não somos descartáveis Nuno. Não se resolve um problema de má gestão despedindo indiscriminadamente quem tão diligentes provas tem dado no seu desempenho profissional.

Meu caro Nuno, como sei que és professor, tal como eu sou, tenho-me perguntado se poderás dormir tu descansado quanto te preparas, em nome do governo e de estranhíssimas instâncias internacionais, para executar o maior número de despedimentos entre os professores de que há memória em Portugal? Sabendo nós deste lado, que és, desse lado daí, também professor, custa-nos a acreditar que o teu sono possa ser sossegado.

Daqui te prometo o melhor que sei fazer, resiliência e dedicação.

Com os meus melhores cumprimentos.

José Miguel Gervásio

 

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